A Senhora do Pé da Cruz e o sê rico felhinho, pobrezinho, tôde fêto num frangalho…
Im Monchique, no três de Maio, dia de Vera Cruz, inda se usa a ir à missa à Igreja do Pé da Cruz. E, este ano, isso dé-se, c’m’ de questume. Ê cá fui lá más a minha Maria. E o Vergil Penusga tamém lá parceu. Mái só m’ incontrí com ele já no fim daquilo tudo, qu’ a famila era munta e a ermida nã é nada camposa.
Tamém, nã sê que jêto terem quái tôdes o mémo questume marafado de, à medida que vã chigando, im vez de se acomodarem lá pà frente pô pé do altar, ficar tudo logo ali ô pé da porta. Ora, os que chegam ô fim, c’m’ ê cá m’ aconteceu, têm que fecar ali da banda de fora… Ô sol, à chuva e ô vento, consoante o tempo que faça, tá bom de ver…
Dezer a verdade, desta vez, panhí ali uma soalhêra tã danada nos cascos que chigô a pontos q’ até cudava que já tinha os miôlos a fritar. E mái q’ uma pessoa ingrilasse lá pa drento, nã dava visto nada premode tar incandeado do sol. E, ôvir o qu’ o senhor Prior diz, só espetando munto bem a orelha…
A Vera Cruz, calhando, nã tem nada im ser esta…
– Olha o Vergil!… Atã tamém vieste à missa hoje? Mémo ô dia de semana?!…
– Que jêtes não?!… Foi sempe mê questume vir a esta festa, nã havera de faltar agora que já tô fêto num cangalho e, nã tardando, tarê qu’ ir prestar contas ô Criador…
– Cruzes!!… Mái que conversa é essa, primo Vergil?!…
Saltô logo a minha Maria, toda chêa de cagúifa, qu’ ela inda é um coisinho mái velha do que ele e alembrô-se que a hora dela tamém nã havera de tar munto longe…
– Eh’q, ê cá sempe gostí de vir à missa, mái dá-me uma gande paxão olhar ali pá imaja da Nossa Senhora com o filhinho dela no colo, morto e todo chêo de cortiladas… Olhem, désna da premêra vez qu’ aqui antrí, faz mái de cinquenta e tal anos, fequí com esta coisa na idéa…
Em Dia de Vera Cruz, abre-se a porta da Senhora do Pé da Cruz…
– Mái, dêxando isso da mão, nôtes tempes, isto nã era assim só uma missazalha, ô fim da tarde, pa mêa-dúiza de gatos pingados. Era uma festa c’m’ devia de ser…
– Pôs era. Mái atão, isto os tempos tão tôdes mudados. E munta sorte temos a gente d’ inda haver quasequer coisa…
– Lá isso é verdade. Mái c’m’ à coisa vai, nã sê, nã sê… Já repàiraste c’m’ é que tão ali as paredes da parte de drento da Capelinha?…
– Já vi, sim. Munto bem, até. Belarentas qu’ até dá dó e o cafelo todo a cair… Mái nã vás sem reposta qu’ isto já foi fêta há mái de 330 anos, mê belo amigo…
– O quem?!… C’m’ é que tu sabes disso? Ó tás a querer antrar com-migo?…
– Olha àlém pr’ àquela pedra pre cimba da porta e logo vês o qu’ é que diz lá…
…e, quái ô solpostinho, há uma missa p’a quem quêra lá ir…
E nã é que diz mémo lá qu’ a ermida foi fêta na era de 1680?… Aquilo custa-se a ler que, pra mim, é quái béque-me latim, mái foi um tal Afonso Anes qu’ ê cá nã les sê dezer quem ele era que mandô fazê-la e des qu’ a pagô da alsebêra dele. Bendçoado!…
– Pá idade que tem, até que nem tá assim munto velha… Nã te parêce, Vergil?
– Metôbrigado… Já foi arrenjada qontas vezes despôs disso?… Até já le prantaram ali umas imajas fêtas de cera pa le dar ôtros ares. Nã nas viste ali ô pé das janelas?
– Atã nã vi?!… A minha Maria prècurô-me s’ aquilo tamém sariam do tempo antigo. Mái, despôs, é qu’ a gente le descorreu qu’ elas eram das qu’ eles fazeram paí, o ano passado, na Semana Santa. Pa serem das deste ano, já tão assim um coisinho enravelhadas…
Aquemedaram pa lá umas estátuas de cera fêtas o ano passado…
– Sã do ano passado, sim, qu’ ê cá sê que são. Elas tão assim tã enravelhadas nã sê s’ é premode calor que panham ali no verão ó se do qu’ é que é, mái uma coisa te digo, um destes dias inda derretem p’ ali todas. A pomba até já tem a asa aberta…
– Atão, s’ ela tá, béque-me, a querer voar, nã admira ter a asa aberta. As duas asas…
– Nã é isso, parente! Tem mémo uma asa esbroncada. Aquilo foi a cera que ressequiu e abriu uma fresta. Ó saria o artista qu’ a fez que quis dêxar logo aquilo assim?
– Só-se!… Alguma vez o homem ia fazer uma coisa dessas?!… Atã, eles tão dejando é de fazerem tudo o mái bem fêtinho que possa ser e haver…
– Olá!… Isso é o que tu cudas… Inda ontordia hôve quem me dezesse que lá no estrangêro tem havido quem faça mêa-dúiza de riscos num papel que ninguém sabe o qu’ aquilo representa e despôs dizem qu’ é um quadro do melhor e vendem-no pre uma fertuna…
… mái, andam, andam, inda elas se derretem sem ninguém dar per ela…
– Isso é os estrangêros que sã tôdes parvos. Agora a gente que somos escretos, nã se dêxamos ir atrás disso…
– Pôs é. Somos tã sabidos, tã sabidos que tamos c’m’ tamos…
E a conversa desandô p’ ô lado da política. Qu’ isto, agora, anda aí tudo enfluído com o falatóiro dos partidos. Uns que fazeram ôtros que nã fazeram, uns que fazem ôtros que nã fazem, uns que vã fazer ôtros que nã vã fazer. Mái esses assuntos nã são pr’ aqui chemados.
E, atão, munta saudinha pa tôdes e até ôtro dia.