Verdade se diga, a Serra de Monchique tem sido Mãe da gente tôdes…
– Falando da Picota, ele andam prí uns zum-zuns que há quem quêra fazer p’ àlém mái umas pedrêras…
– E é bem verdade, sa senhora. Premode isso, ontordia, dí-me ô trabalho e fui ali à Caxa Agrícola, a uma runião qu’ eles fazeram pa falarem desse caso.
– Atã e nã me disse nada?!… S’ ê cá sabesse, tamém tinha ido…
– Olhe, ti Zé – era o ti Zé da Côrcha a falar com-migo – nã me leve a mal más ê cá tamém nã sabia. Calhô foi a ir nesse sábedo, despôs do almôce, até ali ô alto da Praça e dar de frente com o parente Zé Caçapo na conversa com o mê compade Jôquim do Barranco.
– E o qu’ é qu’ isso tem?!…
– Pere aí qu’ ê já le digo.
– Já tá a enventar…
– Que jêto?!… Os homens vinham tã emprensados na conversa um com o ôtro, com uma latomia qu’ ê cá até cudí que tinha morrido alguém da famila… Olhe, nem deram pre mim…
– E iam pá Caxa Agrícola?
Os que tavam contre eram más cos ôtres…
– Nã senhora. Iam a tramelear a respêto dessas tás pedrêras que vomecêa falô inda agora.
– Ah, atã eles tamém tinham ôvisto dezer alguma coisa a esse respêto…
– Pôs tinham. Mái nã se davam era intendido os dôs. Um que toma, ôtro que dêxa e cada qual clamava pre sê lado.
– Atã e despôs?
– Despôs, tive qu’ ir, assim, drêto a eles, dar um incalhão no ti Zé Caçapo – o Verruma, le chama a gente – e foi cmo eles deram notiça de mim. E, aí, meti-me tamém na conversa e foi qondo eles me dezeram que, dali a um coisinho, ia haver essa tal runião na Caxa.
Voltí-me pra eles:
– Atã e sa gente fosse tamém ver o qu’ é qu’ os homens têm lá pa apresentar?…
– Tá bom de ver qu’ o ti Caçapo disse logo que sim. Agora o sê compade nã sê, nã sê… O homem, béque-me, tem medo desses sitos…
– D’zer a verdade, o mê compade é assim pô vergonhoso mái, méme assim, nã se fez munto fêo. E lá abalamos.
-Atã e que tal?
Assantados à menza tavam lá uns dôtores. O da ponta de cá nã tava lá munto sastefêto, nã senhora…
– Ora… É o de c’stume. Tavam uma remessa deles assantados numa menza, tudo dôtores, a darem a lição e os ôtes, cmá gente, da banda de cá, assantados cada qual na su cadêrinha, à escuta do qu’ eles deziam.
– E falaram bem?
– Falar, falaram. Más aquilo era assim: os de cá de Monchique eram, béque-me, tudo contre. Ó se nã eram tôdes, faziam de conta. Os que nã eram de cá, punhana!, era tudo a favor…
– Atã, marafaram-se uns com os ôtes… Ai, logo ê cá nã ter ido!…
– Pere aí, ti Zé, qu’ isso nã foi bem assim. Inda hôve pa lá uma quesilha com o senhor Presidente e um dôtor que vêo, calculo ê cá, de Faro, mái aquilo nã teve dúveda. Agora lá com uns estrangêros que se metiam no mêo da conversa dele é qu’ a coisa teve que se le dezesse.
– Ah, tamém tavam lá estrangêros… E o qu’ é qu’ eles têm que se meter no caso?…
– Têm. Atã nã vê, eles moram já bem muntos àlém pre aqueles charazes. Té le digo más: tavam lá mái estrangêros a ôvir aquilo do que memo cá dos nossos. E fique sabendo, eles inda eram os que tavam mái inrèxados com aquilo tudo. Levaram lá uns cartazes e tudo…
– Pa impertenecerem os ôtes?
O senhores Presidentes da Assemblêa Menicipal e da Cambra tamém lá tavam assantados…
– Sa senhora, ti Zé. Pa dezerem que sã contre.
– E lá esses tales dotôres nã se emportavam?
– Ai nã s’ emportavam… Aquele qu’ ê cá disse que vêo de Faro chigô a um ponto que tava tã infèzado, tã infèzado, qu’ ê cá vi jêtos dele abalar porta fora. É que havia lá umas alemôas que, dora im qonto, nem no dêxavam abrir pio…
– Atã e que jêto a famila nã querer dêxar eles tirarem as pedras de lá da Picota? Aquilo fazia algum mal? Só a mim ninguém me tira as que tã lá interradas nos mês cantêros. Qondo calha, dô-le com cada inxadada qu’ até faz faísca…
– Ó ti Zé, nã sã pedras dessas, home… O qu’ eles querem é arrencar aqueles moledos munta grandes que há debaxo do chão, c’m’ fazem ali na Nave. Pa blocos e brita e essas coisas todas…
– É da manêra que arrenjam sito pa muntos trabalharem…
– Sê cá se é pra muntos se é só pa mêa-dúiza qu’ eles trazem logo lá dadonde são? Desem-magine-se qu’ isto agora é tudo fêto com maquinaria…
– Mái sempe hõ-de dêxar cá alguma coisa. Vã ôs cafés, ôs restairantes…
Inda assim, ajuntõ-se uma bela famila lá na Caxa pôs ôvir…
– Isso hã-de ir. Atã e o resto? O mal que fazem?
– O qu’ é qu’ eles fazerã p’ aí assim de tã ruim?
– Olhe, à uma, estafajam a Serra toda que nã se pode olhar pa ela, à ôta, escalavardam aí as estradas adonde passam com esses camions carregados com um peso de bruteza…
– A Cambra logo as arrenja…
– Com que dinhêro? Atão eles vã pagar os impôstos é lá adonde eles pertencem… Nã sê se sã de Lisboa, se do Porto, se dadonde são…
– Disso nã intendo nada…
– E ôta que tamém tem que se le diga…
– Inda más?!…
– E a pòzêra pa quem mora lá ô pé e samêe lá umas batatinhas, um melhinho, umas bejoarias e tenha umas arvezinhas pa c’mer uma frutinha im chigando o tempo dela?…
– Isso aí é que já é pior… Se me estragam uns albricoques qu’ ê cá tenho ali que sã uma lindeza, má da volta…
– E há munto mái coisas, nã cude. O qu’ é que tá agora aí a amentar tôdes dias?
Posto qu’ a maior parte dos que tavam lá eram estrangêros. E danados qu’ eles eram…
– Sê cá?!… O preço das coisas…
– Atã nã é os turistas? Mòrmente aqueles que gostam de andar à pata aí pre essas veredas? Esses nunca mái àlém põem os pés, fique sabendo…
– Sabe-se lá… E isso já fecô memo resolvido eles fazerem essas pedrêras?
– Nã fecô, nã senhora. Eles, agora, só querem é que os dêxem fazer prí umas exprementaçons a ver se a coisa vale a pena. Despôs, logo se vê. Más sabem eles já, nã cude…
– Ah, isso, é mái que certo qu’ eles já sabem muntíssemo de bem o que le vai no sentido…
– Atão, aprecate-se que, daqui pre dôs ó três anos, vai haver novas. Assim ê cá m’ ingane…
Mês belos amigos, pensem vomecêas tamém no caso e, em havendo mái alguma runião, vamos lá tôdes e cada qual que digo aquilo que acha bem ó mal. E logo se vê…
Dés le dê saúde a tôdes.